Um novo episódio de violência e extorsão marcou a já frágil segurança na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique. Na manhã desta quinta-feira (7), um grupo de passageiros e motoristas que transitava pela Estrada Nacional 380 (EN380) foi surpreendido por insurgentes armados no troço compreendido entre a aldeia de Nangololo, no distrito de Meluco, e a localidade de 19 de Outubro, no distrito de Quissanga.

De acordo com um vídeo amador que chegou à posse do jornal Ikweli e circula nas redes sociais, os reféns foram submetidos a um “resgate” forçado. Passageiros relataram que os valores cobrados pelos terroristas variaram entre 10 mil meticais por pessoa e 250 mil meticais no caso dos automobilistas. A quantia mais alta, segundo os depoimentos, era exigida aos motoristas para permitir a devolução das viaturas e a sua passagem em segurança.

O vídeo, gravado logo após o incidente, mostra rostos visivelmente abalados e vozes trémulas a descrever o momento de tensão vivido. “Eles [os terroristas] apareceram de repente, armados, e mandaram parar. Começaram a separar motoristas e passageiros, dizendo que, para seguir, tínhamos que pagar. Quem não tivesse dinheiro suficiente teria de deixar a viatura ou ficar com eles”, narra um dos sobreviventes no registo audiovisual.

Extorsão e medo à luz do dia

O ataque ocorreu em plena luz do dia, numa das principais vias de ligação entre distritos afetados pelo conflito em Cabo Delgado e a cidade de Pemba, capital provincial. Testemunhas relatam que o bloqueio durou várias horas e que os insurgentes atuaram de forma organizada, como se estivessem a controlar uma “portagem” armada.

“Eles já sabiam o que queriam. Primeiro recolheram telemóveis para ninguém avisar as autoridades. Depois começaram a negociar a liberdade de cada um, pedindo dinheiro de imediato. Quem não tinha o valor exigido era obrigado a pedir a familiares por telefone para fazerem a transferência”, relatou outro passageiro, visivelmente abalado.

Embora não se saiba o número exato de pessoas retidas, estimativas feitas com base nos testemunhos apontam para dezenas de indivíduos, entre passageiros de transporte público e condutores de viaturas particulares e de carga.

Contexto do conflito em Cabo Delgado

O ataque desta quinta-feira soma-se a uma série de incidentes violentos que continuam a ocorrer em Cabo Delgado desde o início da insurgência armada em 2017. Apesar das operações conjuntas entre as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique, a Missão Militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SAMIM) e o contingente militar do Ruanda, algumas áreas continuam vulneráveis a incursões e emboscadas.

Especialistas em segurança afirmam que o método de extorsão observado neste caso mostra que os insurgentes estão a diversificar as suas fontes de financiamento. “Para além dos saques em aldeias e ataques a infraestruturas, agora assistimos a um padrão de cobrança direta a civis em trânsito. É uma forma de manterem recursos sem necessariamente realizarem ataques de larga escala”, explica um analista ouvido pelo Ikweli.

Reação das autoridades

Até ao momento, não houve um pronunciamento oficial detalhado por parte das autoridades provinciais ou nacionais sobre o incidente. No entanto, fontes ligadas à defesa confirmaram que patrulhas adicionais foram enviadas para a zona do ataque, com o objetivo de rastrear os insurgentes e garantir a segurança na EN380.

Um agente das Forças de Defesa e Segurança, que pediu anonimato por não estar autorizado a falar à imprensa, afirmou que “o troço entre Nangololo e 19 de Outubro é conhecido como vulnerável” e que “o controlo total da via ainda é um desafio, devido à dispersão dos grupos armados e à extensão da área”.

Impacto nas comunidades e transporte

A EN380 é uma rota estratégica para o transporte de pessoas e mercadorias em Cabo Delgado, ligando distritos do interior à cidade de Pemba e facilitando o acesso a mercados, hospitais e escolas. O medo causado por ataques como este afeta diretamente a circulação de bens essenciais, encarece os custos de transporte e agrava a situação humanitária nas zonas já fragilizadas pela guerra.

Motoristas de transporte de passageiros afirmam que a insegurança na via já provocou a redução do número de viagens, pois muitos receiam cair em emboscadas. “Se não tivermos garantias de segurança, vamos parar de circular nesta estrada. O risco é muito alto e ninguém quer perder a vida ou o seu ganha-pão”, disse um condutor interprovincial.

Clima de incerteza

A população de Cabo Delgado continua a viver entre a esperança de estabilidade e o receio de novos ataques. Este incidente reforça a necessidade urgente de medidas mais eficazes de patrulhamento e proteção das vias de comunicação, garantindo que os cidadãos possam circular sem medo de serem alvos de extorsão ou violência.

Enquanto as operações militares prosseguem, civis e organizações humanitárias alertam para a importância de soluções de longo prazo que combinem segurança, desenvolvimento económico e reconciliação social para que a paz seja sustentável na província.


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